We Don't Need Another Hero
Até onde você está disposto a ir por uma causa? Ou, melhor dizendo, até onde uma causa pode nos levar?
Acho que para a segunda pergunta talvez faça mais sentido pensar numa resposta. Afinal, geralmente as causas são os rios que nos levam adiante, nos carregam e levam a momentos de remanso e também de revoltas.
O que não saberemos nunca é se é a vida que nos escolhe pras suas causas ou se somos nós que tomamos essa decisão. Quem decidiu um dia que o Alexandre seria O Grande? Quem disse que Zumbi iria para Palmares? Quem foi que destinou a Napoleão a França? Se aceitarmos que somos todos predestinados a um papel nessa nossa passagem, esses papéis já nos são dados de largada.
Mas, assim como em Corra, Lola, Corra!, eu sou desses que acreditam que a somatória dos acontecimentos nos levam para um determinado caminho. Basta uma pequena alteração nos fatores dessa soma e pimba!, temos um novo resultado. Mas o problema persiste: como saber qual fator é o decisivo ou não para um determinado evento futuro? Sei lá.
O que eu sei é que há 21 anos, o Pablo me chamou para ir para a Chapada Diamantina. Disse que tinha lá um ganha pão para mim, uma vaga de professor em escola estadual num povoado mais ou menos perto, em Lagoa Dionísio. Eu fui. E por quase 1 ano na minha vida, experimentei muitas coisas absolutamente novas pra um jovem adulto nascido e crescido no interior de São Paulo, família de classe média, vida “normal”.
As aspas no “normal” foi justamente pelo fato de, pela primeira vez na vida, eu experimentar o que era a vida fora da bolha de alguém que sempre teve sucrilhos pra comer, quando e como quisesse.
A experiência mais marcante por lá foi o dia que eu virei um brigadista de incêndio florestal na Chapada. Foi uma noite quase inteira de combate, facilitado por uma chuvinha que chegou já quase no fim da madrugada, fazendo o rescaldo de um fogo que combatemos noite adentro, deixando bolhas nas mãos que bateram por horas a fio o abafador no chão e uns machucados pelo corpo todo, de unhas de gato que agarravam a gente por todos os lados.
Corta a cena e eu volto para São Paulo, caso, tenho uma filha e engato na profissão de publicitário. A vida seguiu.
21 anos depois dessa minha ida para a Chapada, Pablo publica “Contra Fogo”, seu romance de estreia. A primeira coisa que eu sinto é que eu conheço todas aquelas pessoas ali. Toda a narrativa, marcada pela oralidade, torna a experiência mais próxima para mim. E, em poucas páginas, eu já me sentia amigo de longa data de Deja, o protagonista.

Deja é dessas pessoas, como muitas que eu conheci na Chapada, que eu nunca vou saber se foi a Chapada que as escolheu ou o contrário. O fato é que eu conheci muitos Deja’s por lá. São pessoas cujas histórias são marcadas por fatos e acontecimentos de uma magnitude que temos até uma certa dificuldade para aceitar que podem acontecer de verdade, especialmente quando nossas experiências vêm de um repertório de vida “normal” que se prova cada vez mais exceção a cada tapa na cara que a realidade nos dá.
A verdade é que a gente precisa agradecer sempre, do conforto da nossa vida “normal”, que existem muitos Deja’s por aí. Esses incansáveis lutadores que sabem pouco da disciplina e das ciências, mas compensam com sobra por sua tenacidade e intuição sempre fazendo o que está certo. Mesmo quando erram.
Ao Pablo, meus sinceros parabéns por sua obra. Eu nem sei se soube aqui expressar o quanto fiquei impactado por seu livro. Mas posso garantir que Deja está no meu coração desde já, em companhia de Manuelzão, Miguilim, a cadela Baleia, Bernardo Soares e alguns outros especiais.
A vocês, meus queridos leitores, a dica de que “Contra Fogo” é dessas leituras essenciais para entender mais sobre política, ambientalismo e, por que não, amor.
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Logo depois que terminei de ler o livro, coloquei uma música pra escutar. A aleatoriedade controlada da minha playlist pra lá de eclética, no entanto, me surpreendeu e eu juro que é verdade: dei play e a primeira música que veio foi “We Don’t Need Another Hero (Thunderdome)”. Altamente apropriada para o contexto de Deja. <3