With a little help from my friends
Não sei vocês, mas o processo que começou lá em 2014, naquela sala da casa do Aécio Neves, com um monte de gente indo da empolgação ao desânimo total em poucos minutos com a virada de Dilma Roussef, esse processo todo que nos trouxe até aqui fez com que eu me distanciasse e fosse distanciado de monte de gente.
Essa trajetória que daqui mais uns meses completa 10 anos fez com que meu círculo de amizades tivesse seu raio cada vez menor. A seletividade se impôs, mas não sem deixar marcas.
Tenho muita saudade de bater papo com alguns desses amigos, mas aos poucos fui percebendo que o tempo - e principalmente a política - foram implacáveis com esses relacionamentos. Esse processo também teve, para mim, o efeito colateral de impactar diretamente no meu trabalho.
Nunca soube bem dissociar a política de outras atividades minhas. Afinal, toda e qualquer coisa que eu faço tem que estar minimamente conectada com os meus valores. E o mundo paulistano da publicidade não é exatamente um mundo muito tolerante com perspectivas mais à esquerda, ainda que goste de pagar de progressista e amigão de todo mundo.
Mas voltando ao “processo”, eu estou falando dele porque isso teve um impacto realmente poderoso em praticamente todas as perspetivas da minha vida.
O título do campeonato brasileiro de 2018 pelo Palmeiras, por exemplo, pra mim foi difícil de comemorar. Afinal, ter o Bolsonaro na foto do time erguendo a taça foi de fuder. Eu sei que o Palmeiras historicamente é um time num quadrante mais à direita e elitista no espectro da sociedade. Afinal, não dá pra esquecer que no meio da comunidade italiana que fundou o time tinha de tudo, de anarquista a fascista, sendo esses últimos infelizmente a maioria. Mas daí a aceitar que uma aberração como o Bolsonaro se apropriasse daquela conquista, aí são outros 500 bem diferentes, sobretudo porque hoje o time extrapola e muito as fronteiras da comunidade italiana de São Paulo.
Ainda na esfera do consumo, não deixa de ser bom também que a gente tenha um bom motivo pra evitar de ir em lugares ruins como uma lanchonete do Madero, no Coco-Bambu ou comprar roupa na Riachuelo. Havan eu já nem ia antes por causa da estética. Depois que passei a ter motivo pra não ir, aí a vontade é só que um meteoro atinja cada uma das lojas deles mesmo.
Na música, a decepção de saber que Eric Clapton é desses que endossam as teorias da conspiração mais mirabolantes pra dizer que não vai tomar vacina. Nos esportes, Djokovic também saiu com uns papinhos estranhos e não se vacinou. E nisso, nas mais diversas áreas, a gente foi vendo pouco a pouco quem tava de um lado e quem tava do outro. Não só entre os famosos, mas também entre os amigos e conhecidos.
Quando a foto do camarada nas redes sociais é o próprio de óculos escuros dentro de um carro, pode cravar que tá por aí dizendo que o PT vai transformar o Brasil numa Venezuela. Os exemplos se estendem bastante.
O lance é que a cada saída do armário desse tipo de gente, mais restrito vai ficando o tal círculo de relacionamentos. E por incrível que pareça, a cada centímetro que esse círculo se fecha, feridas são feitas. Afinal, não dá pra negar que deixar de se relacionar com um amigo é uma espécie de luto. São anos de muitas trocas, de muitos afetos que de repente são abalados por um confronto de ideias de mundo que não se combinam mais.
E que fique claro que eu não quero que a pessoa concorde com 100% do que eu falo. Pelo contrário. Gosto muito de poder aprender a ver o mundo também de outras perspectivas. Nenhuma verdade é absoluta e eu sei disso. Pode discordar à vontade, desde que se mantenha certos marcos civilizatórios mínimos como, por exemplo, não achar bonito que a polícia saia matando pobre alucinadamente por aí com as piores justificativas possíveis.
E foi nisso que nos perdemos: as diferenças políticas descambaram para abismos entre a civilização e a selvageria.
E, sendo cada vez mais raros, são também cada vez mais valiosos os amigos que ficam.
E pensar que tudo isso começou quando um cara não soube admitir que perdeu e foi pedir pra recontar votos no TSE.
No mais, por hoje é isso.
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A música de hoje é With a Little Help From My Friends, na versão de Joe Cocker que deixa no chinelo o original dos Beatles, além de me fazer lembrar de Kevin Arnold e Winnie Cooper em Anos Incríveis.
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Inovação na newsletter: seção de dicas.
Dica #1
Vou manter aqui por algumas publicações em sequencia até vocês se convencerem que devem ler Contra Fogo do queridíssimo Pablo Casella. Sobre esse livro, eu escrevi um troço que não chega a ser nem crítica e nem resenha, mas tá lá pra vocês conferirem:
Dica #2
Estou tentando explorar mais o universo do Substack e uma boa supresa foi a Taize Odelli com Sou Meio Vagabunda, Mas Sou Boa Pessoa. Digam aí se vocês gostam.
Dica #3
Descobri o talento da Gabriele Leite, violeira incrível. O álbum de lançamento dela é o Territórios, que você pode escutar aqui.